Dói-me não te ter como me doía ter-te.
Rasgo a minha pele suavemente, sem medo da dor, só pela curiosidade perversa de me ver sangrar. Sorrio. Mas...
Mas há muito não sangro. Há muito não sangro, pois a dor me sugou até à última gota...
Dói-me não te ter como me doía ter-te.
A cada posse me doías mais dentro dentro mim, entranhado, como um prazer inusitado e inegável que chegava e me abarcava completa e cabalmente como uma primeira vez inesgotável.
A cada olhar, a cada acto cúmplice, a cada afirmação de união desigual, me doías.
A cada simples gesto, a cada toque, a cada beijo sentia pulsar o fim do tudo que te tornavas e do nada que deixavas.
Chegavas de braços abertos que cingiam o corpo inerte, frágil demais, e davas tudo. Partias de costas voltadas, sem uma única hesitação levando o tudo da chegada deixando o nada da partida anunciada...
Dói-me não te ter como me doía ter-te.
Agora, não te tenho mais.
Mas, pelo menos, não sangro, pelo menos não abraço mais o vazio que abraçava quando te despedias com promessas de mais "tudo". Não sangro e não tenho mais "nadas", porque era um grande nada que eras.
O meu nada mais precioso. Morreu. Morreste. Agora sim. Adeus.